Meu partido é um coração partido

Não tenho mais rótulos.

Não torço mais pra nenhum time, não prego nenhuma religião ou partido político, parei de citar nomes e endereços. Por conta disso, tenho em mim, agora, todos os sonhos do mundo* e já sei que isso ainda é pouco, muito pouco. Parei de brigar, parei de berrar.

Mas está enganado se pensa que, por causa do meu silêncio, eu desisti; se por deixar de bradar motivos e observações aos quatro cantos do mundo é que eu perdi as esperanças. Não, não desisti e tampouco perdi as esperanças; ao contrário: apenas quebrei o coração para deixar a razão no comando, mutei minha voz para potencializar a escuta, calei os dizeres para ampliar os horizontes.

Nunca fui de frente de batalha – aliás, pobre do exército que dependesse mim. Por que sou inútil, menos capaz? Não, mas porque sirvo para pensar, para elaborar, para planejar o ataque. Não sirvo para papel principal ou coadjuvante; meu lugar é na coxia.  Por que não sirvo para isso? Não, é por que sirvo melhor para montar figurino, para dirigir a cena, para avaliar a iluminação.

Aprendi muitas coisas nessa minha passagem pela vida e uma delas é que a minha luta não é conta o sangue e a carne, mas contra os dominadores desde mundo**; então não brigarei mais com você que pensa diferente, ou com você que insiste em não enxergar um palmo a frente, nem mesmo contra você que apenas repete feito papagaio da vizinha. Preferi ser como a águia, que pouco canta, mas que muito observa.

Então não vou gastar minhas forças tentando te convencer de que seu raciocínio está priorizando o lado errado; não vou perder meus dias e minha paciência pra provar que seus argumentos são falhos e assim me decepcionar a cada vez que você usá-los. Chega de embates, eu vou pra tática: vou deixar que você caia em suas próprias hipocrisias, que cometa os erros que você mesmo tanto critica, que seja o judas contra o qual você atira pedras.

Por mais bela que a  vida possa lhe parecer, não há como escapar de colher o que se plantou, de pagar por aquilo que fez.

Tudo é uma questão de tempo.

Por isso eu me recolho: para que o tempo faça o seu papel e lhe entregue tudo aquilo que um dia pediu, ainda que sob o poder da ignorância. Eu também receberei, esteja certo; afinal, todos nós estamos no sol, buscando a sombra.

* “Tabacaria”, Alvaro de Campos

** Carta a Efésios, Capítulo 6

 

O pior da geração Coca Cola

Os filhos da revolução hoje são pais do comodismo.

O que antes era uma forma de liberdade, agora é uma limitação de pensamento, pessoas que só querem sombra e água fresca, sem  stress de ficar brigando aqui e ali por mudanças éticas, como se aquilo que não fora transformado naquela época já não tivesse mais jeito e precisasse ser engolido a seco. Não somos mais os mesmos e nem queremos viver como nossos pais e eles precisam entender isso.

Essa tal geração coca-cola hoje está choca e sem gelo, perdeu a noção de que não se pára de lutar, de que o passado é a visão de um futuro próximo e, quem sabe, um futuro ainda doente. A decepção de não ter conquistado cada um dos objetivos traçados à época rechaça toda e qualquer nova tentativa de transformação rumo a um futuro melhor, destrói a expectativa criada pelo exemplo dado justamente por eles, que eram heróis, que não queriam dinheiro e só queriam amar – mas que agora não estão nessa e só querem sossego.

Talvez por medo é que decidiram tolher as armas ideológicas dessa nova safra, armas aquelas capazes de mover o mundo, de mover montanhas ou de mover pessoas de um lugar para nenhum outro – ou ainda para onde for necessário para o momento. Para eles, esse mesmo momento – o agora – não é mais para pensar e lutar, o tempo bom já se foi e não volta mais, isso é tudo o que temos para hoje e ponto. O detalhe é que a galera, que antes era cheia de gás e gosto, não percebe que esse tal ponto não é um ponto final, mas que ele vem acompanhado da vírgula, que ele é um ponto e vírgula, apenas uma pausa para pensar sim!, para lutar sim!, um momento de preparação para a nova revolução. Por isso é que a gente continua, que vai à luta e conhece a dor.

O pior da geração coca-cola é que ela deixou, sem perceber, resquícios de uma esperança que queima como fogo em mato seco, que se alastra rápido. E aí não tem o que argumentar, não tem justificativa que nos pare, ninguém vai nos segurar com a bunda exposta na janela, porque deu pane no sistema e alguém nos desconfigurou: segura as pontas seu Zé, que a vida agora vai melhorar.

 

Semeadura

pen

Visto que as horas voam, os dias correm, vida vem e vida vai, estamos temporariamente suspendendo nossa escrita (quase) diária para uma reformulação iminente e necessária. De gentes, de momentos, de penas. A todos que até aqui vieram, aos que chegam, aos que não se vão, que as histórias já escritas possam, mesmo que em “vale a pena ler de novo”, dar um tom de poesia ao comum de todo dia.

SEGUIR EXEMPLOS

Estava eu ontem no cinema, já comodamente sentada, esperando a sessão começar, quando vi passar duas senhoras, procurando lugares vagos.
Em frações de segundos as reconheci, embora o tempo passado era muito longínquo. E me veio a lembrança das suas imagens, quando mulheres maduras jovens. Eram irmãs, professoras e viviam com a mãe. Sabe-se lá porquê não casaram. Mas me chamava a atenção a elegância de ambas ao passarem pela porta da minha casa. Além de muito bem arrumadas sempre, tudo era de bom gosto e na medida certa.
Naqueles idos, eu tinha cerca de 13 anos e elas representavam para mim um modelo a ser seguido e sempre pensava – um dia quero ser como elas. Os tempos passaram, mudamos de casa e não as vi mais. Agora ao reencontrá-las, por incrível que pareça, mais de 50 anos depois, elas tinham a mesma aparência e não perderam em nada os gestos finos e o belo trajar, apesar de alguns poucos quilos a mais e das faces marcadas. Fiquei a pensar que não se pode deixar os cuidados com a aparência, por mais que se tenha envelhecido. Lógico que a saúde é fundamental e, pelo jeito, elas também foram agraciadas com esse quesito.
Mas de toda essa visão ficou a certeza que a elegância se carrega pelo resto da vida e não é uma roupa cara, simplesmente, que marca essa característica. É a postura, o modo de andar, de falar e de se colocar perante os fatos.
Como é bom quando encontramos esses exemplos marcantes em um mundo que nos engana, com falso glamour, mas que não tem sustentação. Desaparece em pouco tempo. Vive-se de aparências…

Quando nasce uma mãe

Quem nunca duvidou de uma grávida, que atire a primeira pedra.

Essa coisa de que a mulher “se transforma assim que descobre a gravidez” sempre me deixou com a pulga atrás da orelha, do tipo: pô, mas a vida nem mudou tanto assim, só enjoo, fome e sono não te faz rever a vida por esse nível de grandeza. Achava que era meio clichê de mãe recém-descoberta, que está deslumbrada – ou mesmo assustada – com o futuro. Tinha que ter algo mais do que isso.

Até que eu engravidei.

A formatação atual da sociedade incute na mulher uma cobrança intensa e patética de obrigações únicas de mãe e ai de quem não sucumbir a elas para, assim, “padecer no paraíso”. Então, infelizmente, ainda é comum que junto com os enjoos, a fome e o sono venham também o tal futuro, o medo, a insegurança e as expectativas.

Não, não é coisa de mãe deslumbrada. Pensar em como executar o plano “ser a melhor mãe possível” é o que faz a cabeça mudar; pensar em dar o que há de bom e de melhor para o filho, de ser tudo o que ele vier a precisar na vida nos leva a pensamentos longínquos e profundos, nos faz rever nossos próprios conceitos e ver, enfim, a necessidade imediata da mudança.

Felizmente existem aquelas mães que caem na real rápido e entendem que “conto de fadas não existe”; para elas vem logo a primeira decepção: saber que não serão perfeitas, que errarão, errarão muito e errarão feio. Algumas se culpam logo de cara; outras, como eu, fazem escolhas; essas, se forem observadoras escolherão, sobretudo, dar liberdade para seus rebentos fazerem as próprias escolhas no momento em que estiverem inteiros para escolher, de decidirem ser o que quiserem, de escolher o que quiserem. Não criar expectativas é a maior liberdade que podemos dar aos nossos herdeiros.

Hoje o que eu mais almejo para a filha é uma paráfrase que faço de Sérgio Reis: “querer bem a um filho não significa ajudá-lo a crescer com nossas verdades; mas querer bem a um filho significa ajudá-lo a crescer sem nossas mentiras”.

 

P.S.: Tudo isso também vale 100% para os homens pais, sem tirar nem reparar nenhuma parte da crônica. É mais fácil, para uma mulher, falar no feminino; por isso, saiu assim, meio com cara de excludente. Mas não é.

Preceito

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As doces palavras saem da garganta cortando como vidro. O rosto antes de luz fica sombrio mediante a verdade do que foi preciso dizer. Do outro lado um sorriso escuta condescendente o que não podia mais ser escondido. Ainda que o coração desfaleça frente ao que virá, a pureza desse estranho bem-querer conforta a tristeza que acaba de entrar, de mãos dadas com a solidão do ir.

Nós

yellow-knot.jpgSabe aquela vontade de falar aquela coisa indiscreta, aquela confissão, aquele xingamento, aquela declaração? Tudo aquilo entalado na garganta que você já precisou engolir por causa de diversos motivos? Poisé, essas coisas me pegam de jeito. Me arrastam (não pelo braço, mas pela boca e pelos ouvidos)pra um mundo dentro da minha cabeça, onde uma realidade paralela apresenta tudo que eu realmente queria que estivesse a acontecer. Dentro os nós somem, e posso pensar o que quiser. Mas por fora ainda ficam impulsos quase incontroláveis de dizer, de fazer, de ouvir. É aquele nó nas tripas que dá de vontade de fazer as coisas, se movimentar pra alguma direção, mas que também de deixa amarrada pra não fazer nada. São laços esses bem presentes que condicionam uma vida inteira, que me fazer ficar sentada quando queria estar dançando feito uma louca, e em silêncio quando queria muito dizer alguma coisa. Enrolada em meio a tantas cordas vou criando um novelo de instala-se dentro de mim como se eu fosse sua moradia, me obrigando a lembrar cada fio de história não vivida. Mas, já consciente de minhas amarras, vou tentando me desvencilhar volta por volta, e toda vez que sinto apertar o laço, tento sair da mira e não deixar que se formem os nós, pra permitir a criação de outra coisa menos embolada, menos não-dita-e-não-feita. Algo que seja mais próximo do que eu quero viver. Respiro fundo e tento alguma coisa, talvez não uma performance ao ar livre, nas ao menos uma dancinha, um milímetro mais livre que seja. Escuto um pouco mais a voz de dentro que diz “atue”, e, por um mundo menos amarrado suplico a todos nós:

Desatem

OS CORPOS EM ALTA

Dias atrás tivemos a notícia de que o médico cirurgião plástico Ivo Pitangui deixou este mundo, aos 93 anos. No dia anterior ele fez questão de empunhar a tocha olímpica em um trecho da Gávea, sendo levado por uma cadeira de rodas, misturando-se ao espírito do esporte.
Fazendo uma relação do que esse símbolo da medicina na área que trata da estética ou da reparação com o momento das Olimpíadas, há uma analogia muito grande – atletas e esportistas que desfilaram em quadras, arenas e em todos os espaços onde se realizaram os jogos exibiram corpos musculosos e quase perfeitos, chegando a comparações com Apolo, símbolo da mitologia greco-romana, um dos deuses olímpicos.
A beleza dos corpos, a melhor performance, o desempenho, o desfile de músculos e bom rendimento foram a tônica da Rio 2016, como acontece em provas do gênero. A presença desses gênios da superação e que preparam seus corpos por anos a fio até o momento de exibir suas qualidades, vem nos lembrar o quanto eles dependem de seus suportes físicos.
Voltando a Pitangui, que foi uma referência mundial quando o assunto era plástica, e que mudou a vida de famosos e anônimos, fazendo-os mais felizes na correção de suas deformidades ou feiuras, a beleza para ele era uma forma de harmonizar corpo e espírito, emoção e razão. Ele dizia que buscava a autoestima de seus pacientes e que não era capaz de definir o conceito de beleza, mas sempre que a encontrou soube percebê-la.
Usando a delicadeza da citação de Pitangui, entende-se plenamente que a correção de imperfeições, fazendo as pessoas mais felizes e integradas à sociedade, supera e muito o padrão costumeiro da estética. Seu trabalho de recuperar deformidades causadas por acidentes e de queimaduras, o fez subir mais ainda os degraus do Monte Olimpo.
Logo teremos os Jogos Paraolímpicos, onde uma infinidade de atletas chegaram a essa condição, na superação extrema de dificuldades. Isso é beleza plena e que nos agride com suas perfeições. Acredito que essa deveria ser a visão do nosso grande cirurgião plástico.

Eu não sou todo mundo

Quem é que nunca teve problemas por “estar fora do padrão”?

Estar acima do peso, abaixo da altura, fora daquela faculdade ou não compartilhar do mesmo gosto e atitudes. Existem, na real, muitas outras características que determinam se estamos ou não dentro do que dizem ser o “normal”. Mas o que é que define o que é normal? A maioria das pessoas? Uma pesquisa com resultados elaborada por médicos? Uma média parametrizada de uma parte da população?

Vejamos um exemplo clássico de parametrização médica.

Uma pessoa que sempre teve seus índices de pressão arterial em níveis “mais baixos que o normal”, mas que nunca teve nenhum problema de saúde em decorrência disso. Um médico comum, acostumado aos padrões, faria o quê? Dá remédio pra essa pessoa, tem que subir a pressão para os níveis normais! Dá-lhe pílula disso e daquilo, até que os índices arteriais sobem e sobem mais do que o necessário; “Pára o remédio!”, e a pressão volta a baixar; “Volta o remédio!”, e a pressão torna a aumentar; “Pára o remédio!” e… vá pros quintos dos infernos! Antes tivesse acompanhado para entender qual é o normal daquela pessoa para depois dar um diagnóstico mais assertivo.

Quando eu queria fazer algo que todos os meus amigos faziam – e esse era justamente o meu argumento -, eu recebia de resposta o sonoro e conhecido “você não é todo mundo!”. Então eu aprendi que para mim as coisas seriam sempre muito específicas; quando cresci me dei conta de que seria assim não por ser comigo, mas porque seria assim (ou deveria ser) com todo mundo!

Entendi, assim, que o padrão é algo criado para discriminar, por mais que não pareça. É só pensar que tudo aquilo que estiver fora das características definidas por esse tal padrão será visto com grande diferença, muitas vezes até com preconceito – caso clássico: dizer que “não é normal” ser gay. Pensemos, então: se “ser heterossexual” não estivesse dentro dos padrões da tal normalidade, não seria necessário dizer que ele “ele é hetero” ou “ele é homo”, bastaria dizer ele é. O que ele é? O que quiser, oras! Afinal, a vida é da pessoa, ela escolhe o que der na telha para ser.

“Ser” é, portanto, um empoderamento que poucos têm, poucos conseguem exercer. E este é mais um exemplo de Jesus foi um homem de muitos ensinamentos (considerando, claro, a hipótese dele realmente ter existido): na época, apenas os faraós – e com muitas limitações – usavam a expressão “eu sou”; e diz a história que Jesus, quando interrogado sobre ser o filho de Deus, a resposta dele foi  simples simples e arrebatadora: “eu sou”. Jesus, segundo o livro, sabia o que era, estava empoderado de sua natureza e se fazia valer por ela.

Ou seja: minha mãe estava mesmo certa e isso serve para todo mundo; e quando alguém vier com cara feia me recriminando por qualquer coisa da qual eu não esteja dentro dos ridículos padrões, vou dizer em alto e bom som: eu não sou todo mundo.

 

Tempo

time

Frente ao espelho embasado, impedida de me mover, aguardo os 3 minutos que faltam para ganhar a liberdade da rua. Não há nada que me impeça de sair antes da hora. Apenas a moral. Não há nada que me obrigue a estar. Apenas a ganância pseudo necessária do viver. O dilema de todo dia, quando meus olhos despertam, é saber como vou fingir o que pretendo ser. Encarno a personagem grata, cubro os olhos com a venda do comodismo e saio de casa rumo ao cadafalso antecipado. Em mente tento levar para longe meu espírito enquanto meu corpo aprisionado resiste, inflexível, disciplinado, semi vivo. Olho outra vez o relógio , carrasco. Faltam 2 minutos. Todos os segundos riem de mim.

As voltas que o mundo deu, as voltas que o mundo dá

piao

É curioso como tudo pode se revirar, se desdobrar. Pessoas que você via todos os dias se tornam desconhecidas, pessoas que você não gosta de repente se mostram legais, pessoas que você não esperava te estendem a mão quando poderiam simplesmente desviar da pedra e seguir o caminho. É curioso também ver como a gente se desdobra, se redobra, se origamiza. Como conforme o tempo vai passando, a nossa cabeça (levando todo o resto) passeia por tantas situações, tantos lugares, alguns que a gente sequer imaginava. Abrem-se possibilidades, descortinam-se opções e, por mais clichê que soe, o mundo dá voltas. Às vezes voltas tão compridas, que por um tempo dá a impressão de que está tudo parado, ou que pra sempre continuará. Outras voltas tão rápidas e abruptas que é preciso segurar o chapéu pra que ele não saia voando com o vendaval. Algumas voltas são mansinhas, num outro compasso mais gostoso de acompanhar. Tem umas que viram pra longe, tem umas que voltam pro mesmo lugar. E nesses giros arrítmicos de percorrer do mundo muda-se os chãos e também os viajantes, e ah, como o esperado! Como as coisas vão se desenhando e se deformando de tão sutil maneira, que com um piscar – ou um marejar -de olhos, fica tudo, tudinho, em um outro lugar. Gostos mudam, jeitos mudam, companhias mudam, lealdades mudam, contratos mudam, eu mudei. Troquei até os móveis de lugar na casa, pra combinar com o novo andar da carruagem. Alguns reparos ainda precisam ser feitos pra seguir viagem, algumas bagagens, deixadas pra trás. Uma pitada de coragem na mistura é necessária pra olhar pros lugares feios de dentro, os monstros que vivem na gente (e caminham conosco algumas vezes, também em nossa volta) e escolher atirá-los pela janela, seguir sem com que eles te freiem demais. Pra mim ás vezes é dificílimo, acompanhar as voltas que o mundo deu, as voltas que o mundo dá. Me perco no giro. Me surpreendo com a próxima rodada. Conheço outros outros, e outros eus. As vezes dá um frio na barriga, de pensar o que se tem adiante. Ás vezes esqueço que não ando só, e tenho medo de aonde chegar. Mas não há como negar a beleza que há numa espiral constante, pra frente e avante, traçada no surpreender mais do que no esperar.

LEITURAS QUE MARCAM

Existem algumas máximas que englobam ideias e que quase sempre refletem a realidade. Mas, como nem tudo ē pau ou pedra, as exceções estão aí para desmentir algumas frases que são antológicas. Por exemplo, no que se refere a hábitos das pessoas e que explicam como elas são – Vocé é o que come, vocé é o que pensa, você é o que são seus amigos.
Temos algumas provas cabais de que essas citadas já se comprovaram por várias vezes, mas sempre fico preocupada em defender uma tese com unhas e dentes e, por isso, fujo das generalizações. Agora, um grupo de pessoas em São Paulo está debatendo um tema que tem a ver com isso que falamos. Na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, foi lançado um projeto sobre literatura, onde se discute “Você é o que Lê” e o mesmo poderia ser ampliado para o que se busca de informação e de programas culturais.
Nossos gostos e escolhas definem bem as nossas personalidades – se somos aventureiros, românticos, estudiosos, investigadores, eruditos, populares, profundos ou banais. Ou se somos um pouquinho de algumas dessas coisas, já que considero que reunimos uma gama de tipos e transitamos numa multiplicidade deles.
Me parece bem interessante a ideia de incluir a literatura em um debate sobre comportamento e, indiretamente, buscar respostas para gêneros e estilos literários, assim como seus autores e gestores. Acredito que no cerne da questão esteja o interesse das editoras e livrarias para desvendarem obras e escritores e ampliarem vendas. De qualquer forma, coloca no centro o livro para se pensar sobre grandes obras que transformaram a humanidade ou a revelaram, influenciando gerações indicando rotas a serem seguidas ou que registraram momentos históricos do passado assim como da contemporaneidade.
Quem não tem um ou alguns desses livros que foram basilares na sua formação, desde a infância, a juventude e mesmo na idade adulta? São os que fizeram nossa cabeça, mesmo por isso chamados de livros de cabeceira. Você poderia lembrar, pelo menos, de uma dúzia deles?

Potencialmente

Sozinha na rua à noite, acredito ser potencialmente um alvo para qualquer homem que passar por mim, pois eles são, qualquer um e todos eles, nessa mesma lógica, potencialmente uma ameaça de assalto, de estupro e outras formas de violência em geral.

Toda mulher que pertence ao círculo de conhecidos do meu companheiro, acredito que seja, todas elas, até as casadas, potencialmente uma ameaça, que vai dar em cima dele, querendo algumas “cositas más”; meu companheiro, por sua vez, também é potencialmente um canalha que vai cair na lábia de qualquer uma, aproveitar a situação, dizer que foi fraqueza e pedir desculpas.

Por outro lado, eu, que sou de escorpião, e potencialmente sou raivosa e rancorosa, que planeja vingança antecipada, potencialmente posso traí-lo antes mesmo dele fazer alguma coisa, e com qualquer homem que esteja no meu círculo de conhecidos, para que ele aprenda e não me traia nunca.

 

Somos todos potencialmente imbecis. Ou podemos escolher ser potencialmente observadores.

Cabe a cada um a escolha de qual potencial quer ter, com as qualidades e potencialidades que lhe forem competentes.

Ele de preto, Ele de Rosa

eles
Crédito imagem: Tom Privitere e Brian Edwards em www.nj.com

Mais um dia comum raiou na casa dos Silva. Pouco menos comum que os demais, já que era domingo, dia da diversão do João. Cedo ele já pulou na cama dos pais pedindo com olhos de cãozinho faminto o que tinha a certeza de conseguir. Um sorriu para o outro e juntos levantaram. Entre copos de leite com chocolate, bolo com geleia de ameixa, pão dormido com queijo e banana amassada com aveia todos riam das travessuras alimentares do pequeno João. Olhavam-se satisfeitos. Apressados pelo pequeno, foram se aprontar para a aventura fora das quatro paredes. Saíram os três. João corria na frente, saltitante em sua fantasia de princesa, a custo conseguida como presente dos pais. Estes caminhavam um pouco atrás, de mãos dadas. Ele de preto e ele de rosa. Era outro dia feliz para uma família que se permitia.